sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Realidades e diversidades regionais



Anteontem revi um filme (dessa vez na TV) na madrugada. Talvez isso demonstre um pouco como tem sido "emocionante" o meu recesso de fim de ano...rs. O filme em questão é "Diários de Motocicleta" que, como todos vocês devem saber, retrata a juventude de Ernesto 'che' Guevara, numa viagem fantástica de motocicleta ("la Poderosa") da Argentina até a Venezuela.

Só pela idéia, de cruzar um continente de moto e sem dinheiro, o filme já seduz, mas o que gostaria de destacar aqui é o encontro deste jovem com a realidade de "nuestra" América Latina.

Esta viagem (do filme) me fez lembrar de experiências recentes e algumas antigas que vivi.

Como muitos aqui devem saber ainda na minha pós-aborrescência, quando fazia o curso secundário no colégio Central em Salvador, iniciei minhas experiências militantes, primeiro com o mundo Anarco Punk de Salvador (cheguei a produzir um fanzine chamado "Movimento Anti-Teoria" (sic!)), depois com o marxismo. E naquela época fiz algumas viagens cheio de idéias e boas intenções para "mudar o mundo", e óbvio, já me indagava sobre as identidades e dissonâncias de nossa sofrida América Latina. A teoria foquista de Che já me chamava a atenção, e estudava vorazmente as experiências guerrilheiras brasileiras, em especial as do campo, como o Araguaia, Caparaó, Lamarca, etc. Logo percebi que as diferenças entre as nações da América Latina, e entre as regiões brasileiras eram enormes e fascinantes.

Alguns anos depois, em 2002, quando dava aula como substituto no Departamento de Ciência Política de FFCH\UFBA, comecei a lecionar uma disciplina optativa chamada "Movimentos Políticos na América Latina". Turma lotada, mais de 40 alunos, e debates interessantíssimos. Não cheguei a concluir a disciplina porque pedi exoneração do cargo devido a aprovação no doutorado na época, mas lembro do primeiro módulo da disciplina: "Latinidades" a partir de um texto de Mary Castro. A discussão foi fantástica, lembro que provocava os meus alunos quando dizia que o único elemento identitário que nos unia (brasileiros) a América Latina era uma camiseta de "Che" Guevara com a frase: "Eis de endurecer, porém sem perder a ternura jamais!". Meus alunos (lembro de figuras como Rogério do PSOL, Vicente do PT, Elisangela do PCdoB) tornavam aquele debate uma questão de honra... muito bom; ótimas reflexões.

Ainda mais recentemente levei os meus alunos (junto com Gredson e Márcio, parceiros-quase-cúmplices, nessa empreitada) para a região de Canudos no sertão baiano na esperança que, vindos de outra realidade, pudessem refletir sobre nossas enormes desigualdades regionais... acho que, ainda que parcialmente, conseguimos dos alunos algo próximo a isso.

Quando revi o filme, naquela cena onde Ernesto observa trabalhadores indígenas sendo explorados\humilhados numa mina no Peru, pensei muito na necessidade que todo ser humano tem de viver um "choque de realidade", para tentar despertar algum tipo de indignação diante das injustiças. É uma experiência, repito, necessária... formadora de nosso olhar humano. E mesmo aqueles que já sentiram isso, devem sempre viver essa experiência novamente... para renovar alguma faísca de espírito crítico.

O filme procura demonstrar isso, que é preciso experienciar "in loco" nossa realidade, para a partir daí tentar transformá-la como fez Ernesto Guevara, ainda que de forma voluntarista em alguns momentos e acompanhado de equívocos em outros.

O filme é fantástico, um ótimo exercício para pensar a América Latina que hoje é um dos meus maiores interesses acadêmicos.

Veja o trailer no link:

http://www.youtube.com/watch?v=Ygn1lNk_oTg


Grandes abraços,

4 comentários:

  1. Caro, este filme caiu neste ano no vestibular da UFBA - notei que muitos jovens, apesar de gostar, tiveram certa dificuldade em compreender a mensagem ideológica e contundente, bem como não houve, para alguns, uma boa reflexão sobre.

    É um filme bem construído, fica evidente boa parte realista da história da juventude consciente de Che, né mesmo? Sem falar que tem um Gael Garcia Bernal super inspirado, uma fotografia primorosa!

    Seu blog é muito bom mesmo, me define.

    És de Salvador? Opa, meu conterrâneo!
    Linkei seu blog ao meu.

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  2. Seu post de Vicky Cristina Barcelona é muito bom, eu comentei dele bem detalhadamente no meu blog - pois, já vi duas vezes e aprecio as questões sexuais aprofundadas no filme - faz parte do teor e objetivo do meu blog também.

    Por sinal, também adoro a Penelope Cruz e seu filme Fatal. Já comentei sobre ele também, se puder depois leia.

    abraço!

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  3. Caro, Sandro

    Obrigado pela presença e comentários no meu Apimentário. Se puder, dê uma conferida nos outros posts de cinema, literatura...eu procuro propor uma discussão gostosa sobre aspectos sexuais e sensuais das obras, fazendo uma análise diferenciada também.

    A proposta básica do Apimentário é esta.

    Você tem um ótimo poder de argumentação aqui também e isso fortalece o contato. Gostei muito do seu blog.

    Ah, vou adicioná-lo no meu msn, tá?
    Vi seu email aqui disponível no seu perfil. Posso? Farei.

    Se puder, dê uma lida lá nos outros filmes também, tem umas abordagens polêmicas.

    abraço e obrigado pelo retorno!

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  4. Olá! Sou estudante de Letras da UNEB - Campus IX, e quando li que sobre a "necessidade que todo ser humano tem de viver um 'choque de realidade', para tentar despertar algum tipo de indignação diante das injustiças", lembrei de Dores, uma professora que me falou sobre o ágon, palavra grega de onde se derivou a nossa "agonia". Os atletas gregos, ao fazerem um exercício, paravam apenas quando sentiam dores. Esse é o momento do ágon, quando superam a si mesmos, e só nesse momento de dor, de agonia, é que conseguem essa superação. Dores, minha professora, disse que o poeta vive em constante agonia, pois ele luta consigo mesmo, com seus ideiais, e com a sociedade e as experiências que tem dentro dela. A poesia, ou melhor, a arte em geral, é fruto dessa agonia. Todo poeta é, no fundo, um indignado. Um amigo pediu que eu fizesse um texto para o blog dele, que tem como tema assuntos políticos e sociais de Barreiras. Eu disse para ele que eu escrevia poesia, que não tinha nada a ver. Ele respondeu: “Quer algo mais social que Literatura?”. Hoje eu entendo o que ele quis dizer.

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