domingo, 3 de janeiro de 2010

A Xenofobia e suas consequências



A temática da intolerância racial me acompanha desde os últimos anos da graduação e, apesar de algumas "decepções" com a temática, ainda leio muito sobre o tema. Mas o real motivo que me faz continuar antenado a temática é a variedade de interfaces com outros temas como religião, imigração, etc. A xenofobia, fenômeno antigo presente na obra de grandes pensadores como Aristóteles, é uma dessas interfaces. Por isso, trago para vocês hoje o filme nacional "Jean Charles" que conta a história do brasileiro morto pela polícia de Londres após ser confundido com um muçulmano.

Esse fato não teve a repercussão necessária já que os policiais envolvidos não foram presos, o que demonstra os limites de nossa tão propagandeada capacidade diplomática. Nos ajuda também a refletir sobre a paranóia ambulante que tomou conta do mundo ocidental desenvolvido após o 11 de Setembro de 2001. O filme aborda a questão de forma sutil, não pondo ela no centro da narrativa. Procura mostrar o cotidiano de muito trabalho de um imigrante num país rico em busca de sucesso, além de mostrar também as redes de solidariedade que se formam entre esses "invisíveis sociais".

O imigrante, especialmente os ilegais, acaba se submetendo a condições duras de trabalho, com baixa remuneração, realizando trabalhos insalubres e sem nenhum direito. Costumo recomendar sobre essa temática o filme "Sob a mesma lua", que retrata a vida dos imigrantes mexicanos ilegais nos EUA... filme emocionante.

Além destas dificuldades materiais, o imigrante ainda é submetido a intolerância étnica, ao ódio contra o imigrante, seja porque ele representa concorrência por empregos em alguns casos, seja por simplesmente ser desprezado devido a sua origem étnica, sua opção religiosa e/ou seus hábitos culturais. Assim sendo a Xenofobia se apresenta como mais uma expressão do racismo, fenômeno que se fortalece objetiva e subjetivamente mesmo sob fortes críticas.

O filme deixa isso claro, Jean Charles foi morto por ter a aparência do 'outro", não inglês, que sempre representou o perigo, mesmo antes do 11/09.

A Xenofobia é sem dúvida uma marca, se não a mais importante, do século XXI. Não é a toa que muitos intelectuais apontam o 11/09 como o marco zero deste século. Devemos estar atentos a este fenômeno e a sua expressão também dentro dos nossos muros.


Veja o trailer do filme no link:

Grandes abraços,

sexta-feira, 1 de janeiro de 2010

Realidades e diversidades regionais



Anteontem revi um filme (dessa vez na TV) na madrugada. Talvez isso demonstre um pouco como tem sido "emocionante" o meu recesso de fim de ano...rs. O filme em questão é "Diários de Motocicleta" que, como todos vocês devem saber, retrata a juventude de Ernesto 'che' Guevara, numa viagem fantástica de motocicleta ("la Poderosa") da Argentina até a Venezuela.

Só pela idéia, de cruzar um continente de moto e sem dinheiro, o filme já seduz, mas o que gostaria de destacar aqui é o encontro deste jovem com a realidade de "nuestra" América Latina.

Esta viagem (do filme) me fez lembrar de experiências recentes e algumas antigas que vivi.

Como muitos aqui devem saber ainda na minha pós-aborrescência, quando fazia o curso secundário no colégio Central em Salvador, iniciei minhas experiências militantes, primeiro com o mundo Anarco Punk de Salvador (cheguei a produzir um fanzine chamado "Movimento Anti-Teoria" (sic!)), depois com o marxismo. E naquela época fiz algumas viagens cheio de idéias e boas intenções para "mudar o mundo", e óbvio, já me indagava sobre as identidades e dissonâncias de nossa sofrida América Latina. A teoria foquista de Che já me chamava a atenção, e estudava vorazmente as experiências guerrilheiras brasileiras, em especial as do campo, como o Araguaia, Caparaó, Lamarca, etc. Logo percebi que as diferenças entre as nações da América Latina, e entre as regiões brasileiras eram enormes e fascinantes.

Alguns anos depois, em 2002, quando dava aula como substituto no Departamento de Ciência Política de FFCH\UFBA, comecei a lecionar uma disciplina optativa chamada "Movimentos Políticos na América Latina". Turma lotada, mais de 40 alunos, e debates interessantíssimos. Não cheguei a concluir a disciplina porque pedi exoneração do cargo devido a aprovação no doutorado na época, mas lembro do primeiro módulo da disciplina: "Latinidades" a partir de um texto de Mary Castro. A discussão foi fantástica, lembro que provocava os meus alunos quando dizia que o único elemento identitário que nos unia (brasileiros) a América Latina era uma camiseta de "Che" Guevara com a frase: "Eis de endurecer, porém sem perder a ternura jamais!". Meus alunos (lembro de figuras como Rogério do PSOL, Vicente do PT, Elisangela do PCdoB) tornavam aquele debate uma questão de honra... muito bom; ótimas reflexões.

Ainda mais recentemente levei os meus alunos (junto com Gredson e Márcio, parceiros-quase-cúmplices, nessa empreitada) para a região de Canudos no sertão baiano na esperança que, vindos de outra realidade, pudessem refletir sobre nossas enormes desigualdades regionais... acho que, ainda que parcialmente, conseguimos dos alunos algo próximo a isso.

Quando revi o filme, naquela cena onde Ernesto observa trabalhadores indígenas sendo explorados\humilhados numa mina no Peru, pensei muito na necessidade que todo ser humano tem de viver um "choque de realidade", para tentar despertar algum tipo de indignação diante das injustiças. É uma experiência, repito, necessária... formadora de nosso olhar humano. E mesmo aqueles que já sentiram isso, devem sempre viver essa experiência novamente... para renovar alguma faísca de espírito crítico.

O filme procura demonstrar isso, que é preciso experienciar "in loco" nossa realidade, para a partir daí tentar transformá-la como fez Ernesto Guevara, ainda que de forma voluntarista em alguns momentos e acompanhado de equívocos em outros.

O filme é fantástico, um ótimo exercício para pensar a América Latina que hoje é um dos meus maiores interesses acadêmicos.

Veja o trailer no link:

http://www.youtube.com/watch?v=Ygn1lNk_oTg


Grandes abraços,